segunda-feira, maio 14, 2007

O CORAÇÃO

de Oscar Portela

Escuta o coração da pedra. A estalactite
Escuta. Escuta os lamentos do vento.
O coração de Nada escuta. Escuta é coração.
E vertigem. O pinheiro nas alturas contempla o abismo
Sem temer o escuro. Escuta. O coração escuta.
Assim mesmo se osculta o coração e adverte
A intemperie. A incuria. A solidão que espanta.
O incubo que nasce. A morte que desperta.
A solidão que asfixia os cometas de um corpo
Que foi consagração da primavera. E escuta coração
As lamentosas flechas do desejo.
Não é este o coração que sente
É grafia do corpo e do espanto. Escuta
Terra o coração que nasce de tuas
Próprias entranhas e ascende até o mudo.
Até o azul profano. O coração que olha
O corpo de Afrodita e se converte em pranto.

É este o coração chagado. A língua é seu destino.
Os lábios, as ladainhas, as promesas.
O preâmbulo de uma história de amor e de um
Corpo sem penas. Escuta coração. O coração
Escuta. Recordas as tardes de estio,
O rio que não volta, as ribeiras, as árvores
A solidão sem fim e nós apenas desnudos
E sem nomes para o livro que se inicia?

Aquí estás coração. Aquí tua escuta.
Teu final sem histórias nem queixas nem chamados
Escuta coração e diz-me as ladainhas
De uma pergunta apenas. O adamita espera.

Desnudo coração tua escuta e pena.
A água escuta.
Passa e escuta as queixas do tempo.
As flechas com que Apolo feriu as Marcias e o canto
Com que floresce a lotus nas águas do lago.
Escuta coração. Escuta. E diz-me tudo. Tudo.

Dá-me seu jovem corpo. Desnuda-o de novo e o entrega
A meus cantos. À oração primeira. Às albas que Eros
Viu nascer em meu peito. O coração escuta. Escuta
O coração escuta e tange a papoula. O lírio e a açucena.
Eu torno – je tournat – a vigilar o pleno.
Construo sobre escombros como Abel Posse quisera.

E lá na luz astral de outro sangrante poente
Lisa sorri a sós já para sempre

Escuto coração. Eu escuto. Sou teu ainda.
Ainda sou primavera. Escuta na sonata da lua
Que chama a todos e ainda espera. Espera
A vigília de um homem que está só e espera.

Corrientes - Argentina.
Maio de 2007.

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