segunda-feira, maio 22, 2006

DIÁLOGO INCONCLUSO

(por que e para que mãe)

Oscar Portela

Por que mãe, para que, estéril a pergunta,
Um elmo fantasmal vazio, enche a espectral figura,
Por que, para que, para que se responder não podes,
Um enviado a este país de sombras, por excessiva luz,
A este país de areia e água e planícies
Com excessivos verdes, tormentas e raios, e esvaziado
de tudo, com a alma algemada por diminutos duendes
e enganosos dáimons, para que a pergunta,
para que se assim dejeto entre futuras ruínas e silêncio,
e terrível solidão de turba, por que a mim, por que assim
algemado à finitude e morte, da madeira dos sonhos
Feito assim e aqui, exposto desde sempre
à grave penúria que invade este país de nada
Nada, nada mais que memórias espectrais,
e o abandono de sentir a pena de uma eterna deriva
este corpo etéreo que os espelhos
de repetidos pesadelos não refletem corpo já
abandonado pelo corpo e ainda assim, perguntando…,
por que, e para que mãe daquele fio de lua
do maio passado entregue às aves noturnas
e aos linces, destes parte de mim, aos braços
de um homem vazio de paixões, abandonado,
e apenas sustentado pelo diurno cuidado de tuas mãos,
no ar deste país onde geme a noite
em que gestastes uma alada pergunta, sem mais peso
que o leve sopro da disforme Górgona que há convertido
em pedra e em espera do nada, nada este nome
que logo abandonastes à intempérie insana
da palavra à chama que converte em cinza
ao abismo onde habita o inferno dos outros
prisioneiros do bárbaro nada, nada, nada por que
o beijo, a paixão, a ternura para que a estreita
porta por onde se entra ao nada do Outro
às portas cerradas do inferno do Outro,
oh mãe de morto sim, aqui, assim neste
continente aonde reinam o nada e os deuses hão
morto como eu

como tu e nem as pegadas ficam
das vagas promessas dos dias radiantes!
Ai, não, não buscarei o sangue, me irei, me irei,
Sem molestar ao vento nem às árvores

sem que o nada saiba que me espera
e dormirei milênios
sem que ninguém me chame
e tu mãe
já não poderás chamar-me nem em sonhos
porque toda cinza
se confunde somente à infinitude, neste caminho
que se emparelha com o vento.


Maio 1950/ maio 2005 (ao completar seus 55 anos)

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