quarta-feira, junho 27, 2007

PALEMON

de Oscar Portela

Branca é esta página e gelada como a solidão
Do corpo meu. Flui atrás do cristal como a vida
Que é morte e rio, obscuridade e endríacos.

Ah, já sei, o sei. Que mais dá, estar mortos
Ou estar vivos? Acaso o Outro levaria isso em conta?

Já o hei comprovado. Apenas à solidão confio
Os augúrios do tempo. Sou invisível ao Outro
E à sua porfia. Morto me fiz já para o desejo às custas
Que leva em si os encontrados reinos do poema.

Estou de volta. É noite e o dia me angustia.
Todo humano é hostil às minhas ilusões.
Apenas, e somente confio ao verso as ladainhas
De vagos pensamentos. O sol me escalda.

O triste cinza aço dos céus o sono não me tira.
Não há albergues. Desabitado estou como Carfax
Em Ruínas e sozinho entro na noite na qual vivo.

Todo outro é ausência. Apenas ausência. Os chamados
Foram mortos nas estepes e o uivar bronco e espasmódico
Murcho está agora sob o áureo gelo.

A que escrever então se o círculo vicioso
Repete o estribilho eternamente?

Que verter em branco as penúrias da terra indigente
Que pariu lobos na brancura dos sonhos?

Ninguém sabe se estou ou se já fui.
A ninguém importa este destino
Certo que tem por verdade a urna já eleita
E ninguém o saberá quando o nada entre em silêncio
Sem chamar sequer. Alguém me espera em meio à sarça-ardente

Sua voz vibrante é doce e sua figura altiva de Adão desnudo
E sem pecado algum, nem redenção, nem Paraisos idos,
Me leva até outras portas nunca abertas.

Que importa agora se sonho tudo isto?
Não vivo no deserto. Se a noite e o inferno
Temido é o desejo que vibra entre meus lábios
Quando sonho...

Ali a sarça segue ardendo sozinha
Como meu coração no deserto.

Corrientes - Argentina
23 de junho de 2007

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